Tenho aprendido essa verdade: Não se pode esperar muito das pessoas. Ao lidar com elas, não se pode ter grandes intenções, grandes pretensões: todos somos falhos e passíveis de erros. Logo, percebo que o único movimento que deve nos mover a lidar com as pessoas é uma preocupação genuína, sem esperar algo em troca.Semana passada vivenciei algumas experiências que me deixaram pensativa, comprovando mais uma vez o que eu há tempos tenho considerado: podemos nos doar por inteiro a algo ou alguém , mas nem sempre sentiremos a reciprocidade de nossas ações, obteremos os resultados esperados ou até mesmo, qualquer tipo de reconhecimento por nossos esforços.
Havia um mendigo em frente à loja, sentado na sarjeta. Ele estava passando muito mal: tremia e vomitava muito. As pessoas caminhavam indiferentes a ele, entretanto, a situação era crítica. Ligamos para a SAMU e em 10 minutos a ambulância chegou onde ele estava. Porém, como eu já imaginava, apesar de “estar nas últimas” – o que era claramente visível – ele não quis ser ajudado, creio que até mesmo irritou-se. Não quis ir para o hospital, não aceitou nenhum tipo de auxílio. Depois de quase meia hora, a equipe médica - que esperava que ele fosse para o Hospital, assim como eu também - foi embora, frustrada.
O curioso é que depois que o “socorro” foi embora ele levantou-se, caminhou em direção a um poste e sentou... Sentou e chorou profundamente, acometido de sua miséria. Fiquei tão frustrada! Mesmo sabendo que pessoas que vivem nas ruas tendem a ser agressivas, ainda tinha a esperança de que ele aceitasse o socorro que lhe foi oferecido. Situações como esta são corriqueiras, algumas pessoas simplesmente estão no fundo do poço e não querem ser ajudadas. Preferem permanecer doentes, à mercê. Quando a ajuda vem essas pessoas a rejeitam, para depois, sozinhas, chorar a própria miséria e coçar suas feridas abertas.
Tenho compreendido que algumas questões deixam de ser sociais para entrar no âmbito existencial. Não se pode fazer muita coisa por alguém que não quer ser ajudado.
Outro fato foi eu ter passado mal na faculdade em função da gastrite. Fiquei perplexa ao saber que minha dor chegou ao nível de contração, aquelas iguais às que se tem para ganhar um bebê. Era noite, eu estava na entrada do Minhocão sozinha, pois havia saído mais cedo da aula. Havia algumas pessoas entrando e saindo, não muitas. Mais uma vez, estavam apressadas...
Eu, sentada em um banco, chorava de dor, e alto (nesses momentos a última coisa em que você pensa é no que os outros irão pensar). Não conseguia nem andar, e algumas pessoas viram que precisei me segurar em um poste para não cair em função da tontura. Muitas pessoas viram? Sim. Alguma ajudou? Não.
Após já estar no carro com meus pais, tendo as mãos do meu irmãozinho sobre as minhas - tentando fazer minha pressão voltar ao normal - minha mente divagava...: O que me move a querer ajudar as pessoas, a amá-las e preocupar-me com elas, sendo que em algum momento sei que não terei ajuda ou não sentirei o mínimo de reciprocidade? Saber que as pessoas são egoístas e preocupadas somente com a própria metafísica – metafísica esta, que consumiu Fernando Pessoa e tantos outros representantes do Modernismo de Portugal, por não agüentarem tanta indiferença - tudo isso afeta meu espírito de serva?
E quando pessoas que amamos ferem nossa alma, marcam profundamente nossa existência com dor e sofrimento, ainda pode-se esperar algo delas? Ainda vale a pena se doar a elas?
Sinceramente... Nada disso muda muita coisa em mim. Tenho visto que o ser humano é egoísta, mas por mais austero que pareça, sempre será tão frágil...
Ainda que eu não receba nada em troca, ainda que eu não veja muitos frutos que plantei, ainda que possa eu ser mal interpretada, prossigo. É uma escolha que tenho feito diariamente, e tal escolha é fortalecida até mesmo quando sinto que me viram as costas. Ah, o que se pode esperar de um ser humano egoísta por natureza, tão envolto somente em sua subjetividade? Quando ajudo as pessoas seja lá da forma que for, penso em suas almas, em suas vidas, em suas misérias... Mas sei que poucaspensarão nas minhas.
Mais uma vez, isso muda algo? Não.
Há muita verdade em determinada afirmação de Shakespeare, onde ele diz que “por mais que você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam”. Por mais que você se importe mais com outras pessoas do que com você mesmo, entenda, nem sempre será reconhecido por isso! O que fazer, igualar-se em apatia e descaso? Ser mais um desinteressado, crendo que há muitas outras coisas com as quais devemos nos preocupar além de necessidades da alma – suas e dos outros?
Mas e se formos levar em consideração grandes personalidades que, ainda que tenham doado suas vidas, não viveram para ver a concretização plena de seus ideais? E se eles tivessem sucumbido em meio ao caminho, hoje tudo seria igual? Poderia eu falar de inúmeras pessoas como Gandhi, Martin Luther King, Abraham Lincoln, mas vocês sabem, meu referencial sempre será a mesma pessoa: Jesus Cristo de Nazaré. Ele se doou sem esperar nada em troca, veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Ele não tinha onde reclinar a sua cabeça! Ele era Deus, mas lembremo-nos, era totalmente humano também, como eu e você.
Sendo assim, creio que Ele também tinha necessidade de auxílio e aceitação, mas não teve nada disso. Ainda assim, como humano, lidou perfeitamente com humilhações, injustiças e traições – e é por isso que sua personalidade, aos olhos da Ciência, é tão complexa: Ele fugia à regra de previsíveis reações humanas, quebrando paradigmas comportamentais. Com poucas palavras, penetrava no íntimo de pessoas que pouco se importavam com suas necessidades, e que por fim, o mataram.
Não cansarei de afirmar, ainda que eu não veja frutos, dou a minha vida para honrar o amor de Cristo, e nada mudará isso em mim: não será injustiça, falta de auxílio e tão pouco a limitação humana. Logo, se você tem feito algo por alguém e não tem sido valorizado, tem se doado e por vezes sente-se sozinho em busca de ideais “inatingíveis”, acalme o seu coração, pois o Senhor vê em silêncio. Nossa recompensa não é dada por homens, nosso galardão não será estabelecido por mente terrena.
Sendo assim, concluo: Não espere das pessoas, espere de Deus. Ao olhar para elas, não veja com olhos terrenos os problemas terrenos, mas busque entender as fragilidades espirituais. Concordo plenamente com uma grande afirmação de Albert Schweitzer: Eu não sei qual é o meu destino, mas uma coisa eu sei: Os únicos que serão realmente felizes são os que buscaram e descobriram o que é servir.
Dostoiévski sabiamente disse: Tratemos os homens como doentes. Isso é forte, rico e profundo... De fato, o ser humano não passa de um aglomerado de enfermidades, inclusive eu, com meu egoísmo e idéias pré-concebidas (que por vezes chegam a ser dogmas!). Faço uso das palavras de Sor Juana, grande representante do barroco espanhol: Yo, la peor de todas!
Eu estou doente também, com certeza. Isso sempre será uma constante no que diz respeito à fragilidade humana.... Mas um sorriso ao companheiro do leito ao lado eu sei que posso dar... Ainda que tudo o que ele tenha a me oferecer seja somente o próprio vômito.
Ria, me chame de pobre menina boba e sonhadora, eu não ligo. Perdoem-me por ainda acreditar que podemos tornar o mundo melhor.